Qual o papel do professor na construção da identidade na Educação Infantil?
Quem é você? Nós, seres humanos, somos definidos por muitos aspectos. Quando mais velhos, costumamos priorizar nossas funções sociais ao responder essa pergunta. Podemos ser mãe, pai, professor(a), aluno(a)… mas vamos muito além. Somos definidos por preferências, limitações, particularidades, grupos aos quais pertencemos, habilidades, características físicas e assim por diante. Se para um adulto é mais fácil se autodefinir, para os bebês e crianças isso é uma descoberta.
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Não à toa, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) especifica que um dos direitos essenciais de aprendizagem e desenvolvimento na Educação Infantil é o conhecer-se e define como um dos campos de experiência O eu, o outro e o nós, que valorizam a formação da identidade na primeira infância.
Identidade é construída no cotidiano
Se o conhecimento de si é algo tão complexo, como favorecer que a criança se desenvolva nesse sentido? A própria BNCC dá uma pista quando diz que se deve usar todas as interações, brincadeiras e linguagem para esse fim. Ou seja, o cotidiano na Educação Infantil deve sempre considerar essa construção de identidade da criança.
“O professor é um facilitador que consegue explicitar esse processo para si como educador e para as crianças como um todo”, explica Ana Paula Yazbek, sócia-diretora do Espaço Ekoa Educação Infantil, em São Paulo. Ela dá um exemplo: “Quando você vê uma mãe chegando e nomeia ‘Nossa! É a mãe da Joana’, você está facilitando esse processo”. Outra possibilidade é quando a criança vê um objeto e relaciona com uma pessoa específica. Nesse caso o professor pode explicitar que ela conseguiu reconhecer a presença da pessoa porque sabe que o objeto pertence a ela. Desse modo, o pequeno vai entendendo que há coisas que identificam outros seres humanos assim como a ele mesmo.
Outro ponto que pode ser trabalhado cotidianamente são as preferências dos pequenos. “Quando você prepara a sala com cantos de atividades diferentes e abre a porta para que os bebês explorem, eles já vão mostrar do que gostam e não gostam”, conta Vera Regina Corrêa de Mello, coordenadora pedagógica do Berçário Educação Infantil DreamKids, em São Paulo. “Nesse momento, você pode intervir e até mesmo dar visibilidade para as escolhas que eles fizeram.”
Claro que quando eles ficarem mais velhos, há de se ponderar outras questões. Se todas as crianças escolhem fazer as atividades dos cantos da sala e uma quer brincar no parquinho, mas não há alguém para acompanhá-la, não será possível atendê-la. “Nesse caso, você precisará explicar a limitação à criança e dar a ela a oportunidade de escolher entre as opções possíveis”, orienta Danielle Moreira de Oliveira, professora da Educação Infantil, Escola Bom Jesus São José, em Petrópolis (RJ). “Isso também faz com que ela de alguma forma reflita sobre quem é ela nas condições apresentadas.”
Palavras de validação e incentivo também são bem-vindas em qualquer idade. Na Educação Infantil, elas se tornam ainda mais importantes para propiciar aos pequenos caminhos para a criação de uma imagem positiva de si mesmos, do outro e dos grupos em que estão inseridos. “O professor deve sempre deixar claro que o erro faz parte do desenvolvimento e cuidar para não julgar aquela ‘incapacidade’ da criança em fazer algo”, reforça Ana Paula. Isso pressupõe desafiá-las a realizar atividades novas, servindo como um apoio, caso ela precise, tanto na realização da tarefa como na questão emocional.
Essa postura também exige um entendimento anterior de que a turma é heterogênea e cada um terá o seu processo de desenvolvimento e uma disposição em compreender os caminhos escolhidos por cada um. “Pedimos para as crianças fazerem um desenho e uma delas faz algo diferente do que você pediu. Então você pede para ela explicar o caminho feito e descobre que faz até mais sentido do que aquele proposto originalmente”, afirma Danielle.
Seu nome e sua história
Para além das ações diárias e observações atentas dos docentes da Educação Infantil, há dois temas interessantes para desenvolver questões relacionadas à identidade. São eles o nome próprio e a histórias das famílias. “O nome é a primeira coisa que o bebê reconhece como sendo dele. Ele aprende que tudo tem um nome, inclusive ele próprio”, diz Vera, que escreveu a sequência didática Nome próprio para bebês de NOVA ESCOLA.
Pensando nessa faixa etária, é possível deduzir que o trabalho será menor, pois muitos ainda não falam e os que já estão desenvolvendo a fala estão muito longe da escrita. Mas, isso não é um limitador. “Só o fato de chamar as crianças pelo nome ou como são chamadas em casa já é um facilitador”, completa Vera. Na sequência que propõe, as abordagens diversas como o uso dos nomes em cantigas, identificação de familiares e colegas em retratos e até mesmo a escrita do nome como identificação em um desenho. Assim os bebês não só criam o repertório de nomes mas começam a entender o uso social deles. É como dizer que determinado objeto pertence a alguém, falar sobre uma pessoa específica ou chamá-la.
Com as crianças bem pequenas já é possível introduzir a variação escrita do nome. Claro que de acordo com as capacidades que elas têm naquele momento. Na sequência Nomes Próprios e outras Palavras Estáveis, Danielle aborda essa possibilidade. “As fotos são de grande ajuda nessa fase e a escrita do nome deve ser incentivada como cada um puder fazer. O importante é que eles se sintam proprietários desse nome em todas as suas apresentações”, comenta.
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Plano de atividade: cantigas com os nomes das crianças
Atividade para bebês (0 a 1 ano e 6 meses) – creche
Plano de atividade: investigação das fotos do álbum dos bebês
Atividade para bebês (0 a 1 ano e 6 meses) – creche
Plano de atividade: Arte como marca da identidade
Atividade para bebês (0 a 1 ano e 6 meses) – creche
Em uma das propostas, os pequenos criam etiquetas e escrevem da maneira que conseguem para colocar junto a uma foto no local onde guardam seus pertences. Já em outra, eles fazem a chamada utilizando etiquetas com os nomes de cada um a serem colocadas em um mural. “Vale lembrar que nessas e em outras atividades, a presença da família é muito importante. Ela é parte essencial da identidade da criança e é enriquecedor que participe do processo na escola”, ressalta. Uma sugestão simples é, depois de realizada a atividade da chamada, posicionar o mural na parede externa da sala e, no dia seguinte, convidar os pais a procurarem junto com a criança o nome e colocarem no mural.
Se a família é parte essencial da identidade de alguém, por que não trazer a história dela para a sala? A professora Elizabeth Geralda Souza pensou nisso para desenvolver a sequência Histórias das Famílias para as crianças pequenas. Durante a sequência, há um momento em que um membro da família visita a escola para compartilhar costumes dos parentes e outro em que as crianças chegam a produzir um livro sobre as histórias da turma.
“Trazer a realidade da criança e do bebê para a sala faz com que ele se identifique mais com o espaço e a atividade se torne relevante”, salienta Danielle. Também é possível estabelecer essa parceria pedindo para os responsáveis enviarem fotos de um acontecimento recente e na sala pedir para a criança contar sobre o que está representado na imagem. Com os bebês, pode ser interessante solicitar aos pais que enviem imagens da mãe grávida, depois com o bebê recém-nascido e ir contando essa história para eles. Até mesmo pedir que escrevam sobre a escolha do nome do bebê para compartilhar com a turma é uma possibilidade.
Todas essas propostas fazem com que os pequenos se enxerguem como indivíduos e encontrem semelhanças e diferenças com os demais. Desde perceber que “eu gosto de brincar no canto dos livros e o Pedro também” até “O Pedro manca de uma perna e é diferente de mim”. Essas informações são importantes para as crianças entenderem o que é propriedade de cada um, o que ela pode tentar imitar e o que não, as partes legais de ser diferente e de ser parecido com os outros, entre outras coisas.
Claro que ninguém jamais termina de construir sua identidade. Pessoas estão sempre se reinventando e redescobrindo, mas tudo começa na infância e, nessa época, há o encantamento de encarar esse processo pela primeira vez. Cabe ao professor caminhar com elas em meio a essa bela jornada.