Metodologias ativas: como usar gamificação e Aprendizagem Baseada em Problemas para ter aulas mais atrativas

gamificação

Olá Professores ! Trago Metodologias Ativas: como usar gamificação e Aprendizagem Baseada em Problemas para ter aulas mais atrativas.

Valendo mil reais. Qual é o tipo de oração subordinada que temos em “como acordei tarde, cheguei atrasada”? Letra a, conformativa; letra b, causal; letra c, comparativa. Tempo na tela. Sente-se o clima de tensão. Pode parecer o trecho do Show do Milhão, mas foi uma atividade de Língua Portuguesa criada pela professora Giovana Picolo, na Escola Estadual de Ensino Médio São Paulo de Tarso, em Pinhal da Serra (RS).

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No lugar de uma aula tradicional sobre tipos de orações em que os alunos teriam uma postura passiva e poderiam se desinteressar pelo conteúdo, a educadora utilizou gamificação para engajar os estudantes e colocá-los no centro do processo de aprendizagem.

No Especial sobre Metodologias Ativas que NOVA ESCOLA publicou ao longo de setembro, explicamos o que são essas estratégias e como funcionam na prática, e tivemos duas reportagens que se aprofundaram em quatro modelos de ensino híbrido — a sala de aula invertida, a rotação por estações, o laboratório rotacional e o modelo virtual aprimorado. O ensino híbrido caracteriza-se por aulas que integram atividades presenciais e on-line, em que os recursos digitais são usados para coletar dados e informações que serão analisados pelo professor com o objetivo de personalizar o ensino.

Porém, existem outros tipos de Metodologias Ativas para além do ensino híbrido, que têm sido muito discutidas recentemente e já foram temas de reportagens de NOVA ESCOLA, como o Design Thinking e a Aprendizagem Baseada em Projetos.

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Nesta matéria, falaremos sobre a gamificação, estratégia utilizada pela professora Giovana, no exemplo acima, e a Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP). Ouvimos especialistas e educadores para saber mais sobre essas práticas, trazer relatos de experiências e caminhos para adaptá-las aos diversos contextos da Educação.

Jogando para aprender
A gamificação é uma metodologia ativa que utiliza a estética e elementos dos jogos (analógicos e digitais) com determinada intencionalidade pedagógica. “É uma estratégia que foca no engajamento e coloca o aluno como protagonista”, afirma Tiago Eugênio, professor na pós-graduação de Metodologias Ativas do Instituto Singularidades, em São Paulo (SP), e autor do livro Aula em Jogo: Descomplicando a gamificação para educadores.

Segundo o especialista, a gamificação é diferente de um ensino com jogos que utiliza games prontos, pois nela o professor cria o seu recurso. “Usamos no máximo partes de um jogo, elementos dele, para motivar o estudante a fazer uma atividade fora do jogo [isto é, uma proposta pedagógica que não seria, normalmente, encontrada no jogo]”, explica.

Como exemplo, vamos pensar na batalha naval, jogo no qual os times têm como objetivo acertar e afundar a embarcação do adversário. O professor não vai propor um jogo tradicional, mas ele pode utilizar a dinâmica do jogo a favor da aprendizagem que busca atingir. Ele pode fazer isso colocando uma regra que, para fazer um disparo, o grupo precisa responder corretamente uma pergunta sobre um assunto determinado. Dessa forma, utiliza-se os elementos do jogo somados a atividades com um objetivo pedagógico.

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Tiago destaca outras características da gamificação. Uma delas é a necessidade de ter uma narrativa para o jogador passar pelas fases. Também é preciso que o aluno tenha visibilidade do seu progresso, que saiba como está evoluindo. Há ainda o feedback imediato — por exemplo, saber se acertou a resposta de um quizz — e a recompensa — por exemplo, saber a quantidade de pontos que ele fez ao responder uma questão ou fazer determinada jogada.

“É uma metodologia interessante por envolver o aluno em algo que o motiva. É uma forma lúdica de atingir objetivos”, completa Edson da Silva, assessor pedagógico de Ensino Médio e Tecnologias na Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul.

O educador, que tem experiência com gamificação com turmas de Ensino Médio,  conta que, quando dava aula de Física, teve uma vivência muito positiva com uma classe de 2º ano. “Era uma sala com muitos problemas de abandono escolar e notas baixas. A gamificação ajudou muito os alunos porque eles faziam parte de um time, e um motivava o outro a não faltar, a chegar no horário. Eles se ajudavam, faziam grupos de estudo”, relata.

Para desenvolver um game
Os especialistas Tiago, Edson e Fernando Trevisani dão sugestões de como gamificar a aula: 

1. Defina o objetivo pedagógico: O primeiro passo é o professor definir o objetivo de aprendizagem que deseja atingir. Apenas com isso estabelecido será possível pensar na metodologia e nos recursos necessários;

2. Decida o tipo de jogo:  Em seguida, o professor deve determinar as regras e o tipo de dinâmica. Isto é, se será um jogo individual, colaborativo (em que todos jogam juntos) ou competitivo (divisão por times em que um compete com o outro);

3. Pense nos recursos que vai utilizar: Considere se precisará de um tabuleiro, uma roleta, um template on-line ou um formulário, entre outras opções.

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4. Defina as regras do jogo: São importantes para balizar a experiência e a aprendizagem dos alunos. Regras como “todos devem jogar sequencialmente” pode estimular a atenção dos estudantes para a participação de todos os alunos do grupo. Se usar algum jogo pronto, como batalha naval, definir se alguma regra será adicionada.

5. Dê atenção à narrativa: Para pensar em uma boa história, o professor sugere a valorização da cultura pop e das referências dos alunos. “Busque inspirações em desenhos, filmes, séries e novelas atuais”, afirma Tiago. “É importante escutar quem está no centro do trabalho [,ou seja,] os alunos. Saber quais são os jogos e personagens que mais gostam, trazer opções que estejam próximas deles”, complementa Edson.

6. Gerencie o jogo: Durante a dinâmica, o professor tem papel fundamental de gerenciar e organizar o funcionamento do jogo. Por exemplo, ele deve fazer a contagem dos pontos, caso não utilize uma plataforma que realize isso.


Gamificação e engajamento
A professora Giovana, que leciona Língua Portuguesa, Inglês, Artes e Espanhol para turmas de Anos Finais do Ensino Fundamental e de Ensino Médio, conta que se aproximou da gamificação para tentar engajar os alunos ao longo do ensino remoto. “Trabalhei com vários tipos de jogos. Usei o Google Forms, Apresentações do Google, o Wordwall e fiz PDFs clicáveis”, explica a educadora. Ela também costuma utilizar o Flippity, Live Worksheets e o ClassTools.

Entre as atividades mais recorrentes em que usa a gamificação estão as relacionadas aos livros propostos na sua disciplina. Ela sempre começa com um jogo para despertar o interesse dos alunos e, depois da leitura, propõe outro jogo para o fechamento. Uma experiência recente foi com o livro A Fabulosa Morte do Professor de Português (Editora Yellowfante). A professora construiu uma narrativa na qual havia acontecido um assassinato e os alunos tinham que identificar  o culpado, como em um Jogo de Detetive. Depois de ler a obra, eles descobriram a resposta. Ela montou um PowerPoint e depois o transformou em um PDF clicável — um documento em que os alunos podem avançar pelas atividades ao clicar em determinados conteúdos. Então, mesmo sem usar internet, os estudantes podem navegar pelo jogo.

Outro formato que ela utiliza é o escape room — jogo no qual os participantes precisam encontrar pistas para resolver um mistério — que ela monta usando o Google Forms. Ela criou uma história e uma estrutura em que os alunos precisam resolver charadas e exercícios sobre o tema proposto para ir avançando até chegar ao fim do jogo.

Para pensar nos games, a professora conta que aproveita os momentos de criatividade — sempre que uma ideia nova surge, ela não deixa escapar e a anota. Depois, planeja as atividades e vai aprimorando o jogo com a experiência. “Nos primeiros, eu cometi erros. Depois, pesquisei sobre como fazer e achei um caminho melhor. Fui aprendendo com os erros”, compartilha. “A gente vai se aperfeiçoando. A minha dica é não se acomodar, não parar de aprender. É importante mudar nossas aulas com o que temos, dar um jeito”, reflete a professora.

Agora, com o retorno à escola, Giovana continua utilizando a gamificação. Quando está com os alunos em sala, ela usa a televisão ou o datashow. Quando estão no laboratório de informática, os alunos conseguem fazer as atividades de forma autônoma, cada um no seu computador. Além disso, ela conta que os estudantes querem aprender a fazer seus próprios jogos.

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Criação de jogos e contexto off-line
Assim como Giovana, a professora Joyce Gasparino, que dá aulas de experiência matemática para turmas de 5º ano na Escola Estadual Profª Minervina Sant’Anna Carneiro, em Lins (SP), também faz uso da gamificação. Ela utiliza tanto games já prontos quanto desenvolve os seus próprios jogos. “Em uma turma que não dava devolutivas, ao utilizar a gamificação, a participação passou de 55% para 95% dos alunos. Eles também adquiriram mais autonomia, tornaram-se mais confiantes para resolver problemas e são mais protagonistas”, relata a educadora.

Joyce explica que não é “jogar por jogar”, mas usar elementos [da gamificação] para engajá-los. Um recurso muito utilizado por ela e que funciona bem é o formato “perguntas e respostas” do Kahoot! “Depois de toda sequência, eu faço um quiz do que eles aprenderam. Eles adoram porque tem pontuação e, para eles, a competição é muito forte”.

Apesar de ser muito relacionada ao ambiente digital, é possível pensar em gamificação em contextos com recursos limitados. “As tecnologias permitem reproduzir algumas características do jogo, e o tornam mais interativo e rápido. Porém, não ter acesso [a recursos tecnológicos] não inviabiliza a gamificação”, aponta Tiago. “É possível fazer com papel e caneta. O RPG [Role-Playing Game] é uma forte inspiração. Nele tem um mestre contando a história, os jogadores vão marcando seus pontos e habilidades, e o resto é imaginação”, complementa. “Já fiz  sem internet ou computador, usando caderneta de anotações. Também podem ser utilizados cartazes [para montar um tabuleiro, por exemplo]”, complementa Edson. Outra possibilidade é usar  recursos que podem ser baixados e utilizados de forma offline.

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Construindo conhecimentos a partir de problemas
A Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) tem raízes anteriores à tecnologia. Esta surgiu na Medicina na década de 1960 e está muito pautada na corrente do construtivismo. Pode ser definida como um “processo educativo que parte de um problema que está presente no cotidiano”, explica Ulisses Araújo, presidente da Associação de Aprendizagem Baseada em Problemas e Metodologias Ativas de Aprendizagem (PAN-PBL). Ulisses é um dos organizadores do 1º Congresso Brasileiro de Metodologias Ativas na Educação Básica, evento gratuito para professores da rede pública, que acontece entre 9 e 12 de outubro de 2021.

Essa metodologia pressupõe que os alunos sejam apresentados a uma questão que devem responder. Em grupo ou individualmente, eles criam hipóteses e buscam informações para construir uma resolução. A estratégia também abre espaço para que o estudante desenvolva outras aprendizagens para além do conteúdo que está sendo mobilizado para a resolução do problema. “Eles desenvolvem a cooperação, a autonomia e a comunicação”, explica Luis Antonio do Pinho, professor do Instituto Federal do Acre e pesquisador na área de Metodologias Ativas.

Para Ulisses, a ABP é uma das metodologias ativas mais conhecidas que coloca o aluno como protagonista. “No lugar do aluno ter algo dado, ele tem uma situação que demanda que ele pense sobre o assunto. O problema exige uma ação desse sujeito”, explica.

No entanto, não se trata de qualquer tipo de questão. “É preciso pensar em um problema aberto sobre algo que ainda não estudaram, que possa ser resolvido de diferentes formas”, ressalta Luis Antônio. “São problemas que têm que fazer sentido, que não surgem do nada. É problematizar o que está no dia a dia, não é apenas resolver, mas refletir sobre o contexto e construir o conhecimento”, completa Luiz Felipe Lins, professor de Matemática para Anos Finais na Escola Municipal Francis Hime, no Rio de Janeiro (RJ), e um dos vencedores do Prêmio Educador Nota 10 em 2020.

Luis Antonio também aponta que, além de ser um problema com o qual o estudante se identifica, que tenha relação com o contexto da turma, também é possível haver uma narrativa, uma história que envolva os alunos. “É possível criar personagens e diálogos, mas que não seja algo muito longo para não perder o interesse [mas que permita trazer o contexto da situação]”, comenta.

De acordo com Ulisses, é possível ainda que o professor não entregue o problema já formulado para os alunos. Ele aponta que existem perspectivas da ABP estimulam que os próprios estudantes a fazerem uma escuta e observação do seu entorno para identificar os problemas a serem discutidos. Dessa forma, tanto o professor poderia pautar esse exercício quanto ele poderia vir de uma demanda percebida pelos alunos que, coletivamente, vão pensar em uma resposta.

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Aprendizagem Baseada em Problemas na prática
O professor Luiz Felipe diz que enxerga sua prática pedagógica muito pautada pela metodologia. “Não vejo o ensino de Matemática sem ela. É sempre meu disparador [para trabalhar as aprendizagens]”, afirma. “Eu a trago com a intenção de construir um conceito que é necessário para solucionar determinada questão”.

Luiz Felipe conta, por exemplo, que no projeto que lhe rendeu a premiação — que aproximou a Matemática do universo da construção civil — os alunos precisavam descobrir quanto eles gastariam para revestir determinado espaço. Para isso, tiveram de realizar diversas investigações e mobilizar conceitos matemáticos de área e proporcionalidade para chegar na resolução.

Um assunto que ele tem trabalhado recentemente é o tratamento de informações e estatística envolvendo dados da pandemia da covid-19. Além de propor problematizações desses dados, Luiz Felipe lembra de uma atividade que fez utilizando fake news. “Eles tinham de investigar e discutir reportagens, pesquisar as informações e buscar dados que fundamentassem se eram verdadeiras”, explica. A partir desse exercício, os alunos puderam perceber que existem diversas características e critérios para se ter uma pesquisa de qualidade e poder provar determinada hipótese.

É a partir da repetição desses exercícios que o professor percebe que é possível construir uma base sólida de aprendizagens significativas. “Os alunos começam a ter independência, porque vão encontrando estratégias de resolução que eu nem imaginava. Eles conseguem ter uma discussão rica. Não é somente olhar a solução, mas a forma que se pensa. Apesar de a Matemática ser exata, ela pode ser reflexiva”, afirma.

ABP, relação com outras disciplinas e uso em diferentes situações
Para colocar a ABP em prática, o especialista Luis Antônio, que tem experiência com o Ensino Médio, sugere a organização da turma em pequenos grupos – de até cinco alunos. Também recomenda que seja uma metodologia utilizada com frequência, para que os alunos ganhem autonomia na busca das soluções e desenvolvam habilidades variadas. Outra indicação é envolver professores de outros componentes curriculares para enriquecer a discussão, permitindo que os alunos olhem para a mesma situação a partir de diferentes perspectivas.

Em relação a contextos com baixa conectividade ou sem nenhum acesso à internet, a ABP não pressupõe o uso de tecnologias. No entanto, se for possível incorporá-las, pode-se potencializar a aprendizagem. A ABP também pode ser facilmente adaptada para o modelo remoto em que os alunos podem trocar informações por WhatsApp (ou outra plataforma ou rede social que permita interação) e construir um documento colaborativo — para se inspirar,

A gamificação e a Aprendizagem Baseada em Problemas são dois entre diversos tipos de metodologias ativas. Para escolher a melhor para você, é preciso partir da realidade e das necessidades da sua turma. Independentemente de quais sejam, as estratégias ativas permitem avançar nas aprendizagens curriculares e desenvolver habilidades socioemocionais importantes. Ao colocar o aluno como protagonista do processo de aprendizagem e sujeito ativo, as aulas tornam-se mais significativas e interessantes. Para saber mais, confira outras reportagens do Especial de Metodologias Ativas.

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