História de Morro do Chapéu Bahia
Conheça a história de Morro do Chapéu, marcada pelo primeiro coronel negro da Bahia
Morro do Chapéu fica a cerca de 384 km a noroeste da capital baiana, na zona oriental da Chapada Diamantina. Com cerca de 5.400 km2 de extensão territorial e uma altitude média de 1.100 metros, o município é um dos maiores da Bahia e um dos mais frios do estado, com temperaturas que chegam a 8°C em algumas épocas do ano. Primeiramente habitada pelos índios Paiaiás, no início do século XVI, seu nome vem do Morrão, que, com cerca de 1.300m de altura, tem o formato de um chapéu em um dos seus ângulos.
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Em 1° de junho de 1838, uma lei provincial oficializou Morro do Chapéu como um distrito de Jacobina. Logo 26 anos depois, a então vila ganhou independência, no dia 7 de maio de 1864, com a instalação, no ano seguinte, do Conselho Municipal, que hoje é a Câmara Municipal. Porém, somente em 1909 que o local foi transformado em município – e, por isso, oficialmente são 112 anos de emancipação política.
Na época, o território de Morro do Chapéu era ainda maior e a principal atividade econômica era a pecuária. Pertenciam ao município cidades vizinhas, como Vagner, Várzea Nova, Irecê e Utinga, que ao longo do tempo foram ganhando a emancipação política. “Irecê se chamava Caraíbas, era um distrito de Morro do Chapéu. Somente nos anos 30 que Irecê ganha sua independência”, diz Márcio Brito.
VILA DO VENTURA
Antes mesmo da emancipação política de Morro do Chapéu, em 1840, a Vila do Ventura, que fica a cerca de 34 km do centro do distrito sede, era fundada por garimpeiros foragidos de Lençóis, que chegaram no local e encontram, de forma abundante, o carbonato, um diamante de baixa qualidade que servia para fazer ponta de broca para mineração. A descoberta atraiu mais gente interessada na riqueza que saia da terra.
Fundada por garimpeiros em 1840, a Vila do Ventura fica a cerca de 34 km do centro do distrito sede de Morro do Chapéu |
O nome da vila vem de um dos primeiros garimpeiros que chegaram por lá, o Ventura. Até 1864, o local tem boa fase de crescimento, com edificações e comércio emergente. Porém, a Guerra do Paraguai recrutou boa parte dos homens da pequena localidade, que entrou em decadência. Com o fim da batalha, em 1870, uma nova fase se instala e a vila volta a crescer, com seu auge entre os anos de 1889 e 1922, quando chegou no mercado um elemento sintético que substituiu o carbonato.
“O crescimento da Vila do Ventura foi por conta das pedras que ali se encontravam. O local chegou a ter 8 mil moradores flutuantes, que seriam aqueles que têm residência mas não ficam fixos na vila. Quando o Japão descobre uma forma de substituir o carbonato, esse comércio entra em declínio e começa a ficar muito barato. Daí as pessoas começam a sair da vila. Não tem agricultura, a pecuária na região é muita fraca e, com isso, os garimpeiros logo saíram, praticamente da noite para o dia”, ressalta o historiador Márcio Brito.
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No seu auge, a Vila do Ventura vendia seu carbonato diretamente para o mercado europeu e contava com uma infraestrutura completa, contendo, por exemplo, manicômio, delegacia, duas escolas, filarmônica, teatro, agência dos Correios, farmácia e até Associação dos Empregados do Comércio de Ventura. Atualmente, o local é um lugar com apenas três ruas, poucas casas e famílias residindo em meio as ruínas das edificações que ficaram para ajudar a contar a história.
PRIMEIRO CORONEL NEGRO DA BAHIA
Um fato marcante na história de Morro do Chapéu é o seu ilustre filho Francisco Dias Coelho, que no começo do século XIX fez uma carreira política brilhante, se tornando um dos homens mais ricos da Bahia. Ele foi o primeiro coronel negro da história baiana, numa época em que todas as teorias do racismo cientifico diziam que negros tinham um intelecto inferior.
O Coronel Dias Coelho nasceu um negro livre no tempo da escravatura em 1864, no mesmo ano da emancipação política de Morro do Chapéu. O historiador Márcio Brito revela que ele, junto com a irmã, foi morar com um grande comerciante local assim que perdeu a mãe, aos 12 anos, e que, antes de formar sua riqueza, ele carregava água e lenha para ganhar dinheiro.
Dias Coelho aprendeu a ler e escrever com sua madrinha, o que deu a ele a possibilidade de ser o primeiro escrivão dos três primeiros cartórios do município.
“Dias Coelho nasce sem beira e nem eira. O pai dele morre, a mãe enlouquece e ele foi criado pelo padrinho, o major Pedro Celestino Barbosa, que também foi intendente de Morro do Chapéu. Ele não tinha nem 18 anos e já começou a comercializar o carbonato, que era de boa qualidade na região. Aos 23 anos, Dias Coelho já tinha uma fortuna”, revelou o historiador.
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Rapidamente, Dias Coelho comprou o título de coronel, com forte influência, interferindo na política estadual e em todas as ações regionais. Ele foi eleito intendente, com voto dos brancos, em 1909, ficando no cargo até 1919. “Quando se torna intendente, ele começa a criar hospícios de órfãs, que é a creche de hoje. Ele é o grande arquiteto do município, planejando a cidade, criando um Plano Diretor Urbano, deixando as ruas mais largas, nomeando praças e ruas. Ele criou ainda biblioteca, a Sociedade Filarmônica Minerva, que é centenária, além de trazer a linha férrea para o município. Ele viajava muito para fora e trazia muitas ideias. Tinham coisas que estavam sendo feitas no Rio de Janeiro e também em Morro do Chapéu, uma cidade do interior”.
Ele era um coronel sem registro de uso de armas. “Dias Coelho comprava as armas das pessoas. Tinham duas famílias brigando, algo relacionado a terra, ele ia lá e perguntava o valor para apaziguar o conflito. Neste período não houve registro de violência muito séria na cidade”, completa Marcio Brito.
PRIMEIRA MULHER NA GESTÃO MUNICIPAL
Morro do Chapéu continua escrevendo a própria história. No dia 1º de janeiro deste ano, após 112 anos de emancipação política, tomou posse Juliana Araújo, a primeira prefeita da gestão municipal. Com candidatura pelo Partido Liberal (PL), ela foi eleita para governar e cuidar dos mais de 35 mil morrenses, segundo levantamento de 2009. Logo a chefe do poder executivo ganhou destaque em todo estado ao criar uma nova lei em proteção às mulheres. A determinação proíbe que pessoa que já respondeu ou ainda responde por agressão à mulher ocupe cargos públicos, seja na administração direta, indireta ou fundacional do município.
“Por um passado e até um presente machista, muitas pessoas não aceitam mulheres num cargo com tanta representatividade. Nestes 11 meses de governo, eu ainda percebo alguns homens que não aceitam eu estar sentada nesta cadeira. Tenho muitas vezes que falar em um tom mais firme para poder ser respeitada. Eu utilizo o cargo para poder mostrar para as mulheres que nós podemos estar onde a gente quiser. Eu sou mãe, eu sou esposa e eu sou prefeita. Tenho vários papéis e consigo administrar todos com muito planejamento e compromisso”, afirma Juliana Araújo.
Após 112 anos de emancipação política, Juliana Araújo foi eleita a primeira mulher à frente da gestão municipal de Morro do Chapéu ( |
Além da lei municipal, a prefeita já realizou diversas ações educativas de proteção às mulheres, tanto em escolas quanto nas ruas. O modelo de gestão inovador e transformador tem seus desafios, o que motiva a primeira prefeita de Morro do Chapéu: “Tudo que é desafiador eu gosto. Se fosse tudo muito equilibrado eu não ia gostar. Pra mim é desafiador pegar uma cidade acabada e conseguir dar de volta o espírito de orgulho para as pessoas que moram nela. Não nasci em Morro do Chapéu, mas é a cidade que escolhi e conheço há 40 anos, a minha idade”, finaliza Juliana.
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CONSERVAÇÃO DA HISTÓRIA
Com o início da gestão municipal, uma das primeiras preocupações foi com a conservação do rico patrimônio histórico do município. Logo em janeiro deste ano, a prefeitura sinalizou criação do Arquivo Público, o inaugurando no mês de março, próximo à feira da cidade. O espaço, climatizado e totalmente reformado, abriga documentos importantes, como uma lista geral de qualificação de votantes de Morro do Chapéu de 1876, o acervo mais antigo do lugar.
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Mas nem sempre o Arquivo Público de Morro do Chapéu existiu. Laênio Alves, diretor de Patrimônio Histórico e Arquivo Público do município, ressalta que atualmente toda equipe do espaço se esforça para recuperar o que sobrou de documentos, que até 2020 ficavam largados em um depósito, sem condições de conservação.
“A gente encontrou o Arquivo Público com boa parte dos documentos misturados, alguns já se perdendo por conta da exposição a umidade e pragas. Com a nova gestão, a gente vem tentando recuperar esses documentos, os protegendo. Os documentos mais antigos a gente catalogou e identificou, porém ainda estamos neste processo de organização. Futuramente, a nossa ideia é digitalizar tudo. Mas, antes disso, precisamos passar por este processo lento de organização e, de fato, de criação do arquivo, que está passando a existir desde o início do ano”, desabafa Laênio Alves.