Por que o Dia Internacional da Mulher não pode passar batido e deve estar na pauta o ano inteiro

professor

O fechamento das escolas, que já dura quase um ano, provocou inevitáveis perdas no calendário. Se já era difícil cumprir o currículo tendo todos os dias letivos, imagine agora, com tempo escasso. E se somarmos à conta a necessidade de debater assuntos do momento, como o Dia Internacional da Mulher, a tarefa parece impossível.

 

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Mas, e se a discussão sobre gênero e raça não fosse um apêndice, uma sobrecarga? E se ela transpassasse o currículo do ano, como parte do desenvolvimento das tão faladas competências gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que devem estar na essência do trabalho pedagógico? Esta não é apenas uma possibilidade, mas o caminho ideal de se tratar o tema. Falar de protagonismo feminino, respeito e igualdade não precisa ser papo de uma aula extra no dia 8 de março.

A atualidade das discussões sobre a mulher

Sherol dos Santos, professora de História há 12 anos e formadora de educadores desde 2019 no Rio Grande do Sul, sugere começar a conversa trazendo quem são as figuras historicamente relacionadas ao Dia Internacional da Mulher e à luta feminista em geral e como foram construídas as narrativas sobre essas mulheres.

 

Para a professora, tomar a questão como ponto de partida amplia a visão da turma sobre a construção do papel da mulher na sociedade e desenvolve uma habilidade importante no ensino de História: analisar e olhar de forma crítica para documentos históricos e para a própria narrativa historiográfica constituída ao longo dos séculos. Grande parte das páginas da História foram escritas por homens brancos, colocando como protagonistas os próprios homens, sem dar a devida importância à atuação das mulheres, sobretudo não brancas. É o que a formadora chama de apagamento dessas figuras históricas, que permanecem esquecidas.

A docente reforça que essa abordagem das fontes históricas é uma prática que pode estar sempre presente. Mas, se a intenção é aproveitar datas importantes, não é necessário esperar só o 8 de março. Há outras datas importantes ao longo do ano que oferecem bons ganchos para trazer o tema de volta para a sala. 25 de julho, por exemplo, é o Dia da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha e marca a celebração da memória de Tereza de Benguela, uma líder quilombola que viveu no Brasil no século 18.

 

Como desenvolver o trabalho sobre gênero e raça na escola

Acompanhe as dicas das especialistas Sherol dos Santos, Gina Vieira Ponte e Rutemara Florêncio

  • Incentive o estudo de personalidades esquecidas. Buscar documentos e relatos sobre a vida de mulheres negras, além de analisar criticamente a historiografia tradicional podem ser bons caminhos para isso.
  • Debata com a turma a situação das mulheres no atual cenário da pandemia, no qual muitas delas acumulam a maternidade com o trabalho – às vezes, no mesmo espaço da casa. É possível planejar atividades de produção de texto ou de leitura de artigos publicados pela imprensa recentemente.
  • Proponha atividades de pesquisa e entrevista com pessoas da família ou da região onde a escola fica, com o objetivo de investigar as condições de vida das mulheres na atualidade.
  • Use e abuse de recursos multimídia, especialmente filmes e séries. Sherol sugere os longas Martelo das Bruxas (Otakar Vávra, 1970), Estrelas Além do Tempo (Theodore Melfi, 2016) e a série Coisa Mais Linda (Netflix, 2 temporadas, 2019). Tanto Estrelas quanto a série da Netflix trazem um recorte racial dentro da questão de gênero.

 

 

Por outro lado, ampliar o olhar para além do mês de março não significa desqualificar a importância dessa data. Gina Vieira Ponte, professora há quase 30 anos e formadora na rede pública do Distrito Federal, defende que o Dia Internacional da Mulher pode e deve ser lembrado. “[O mês de março] é um período de luta por políticas públicas e por recursos que apoiem mulheres, para que elas possam ocupar espaços de tomada de decisão”, diz a docente. “É uma luta para que elas possam ter  acesso à Educação, ao direito de ter creches e escolas de tempo integral para os seus filhos, para que essas mulheres possam trabalhar.”

 

E as preocupações que o 8 de março levanta sobre as mulheres extrapolam o conteúdo.  “Esse é um momento para que diretores e gestores das escolas questionem sobre a saúde mental dos educadores diante de tantas demandas. Além disso, a escola precisa se perguntar, antes de mandar um monte de tarefas para casa, como estão as mães. Elas têm alguma rede de apoio?” No cenário da pandemia, a principal atividade sugerida por Gina é conduzir com os estudantes a produção de textos no formato de carta para agradecer as profissionais (médicas, enfermeiras, mulheres que trabalham com serviços gerais nos hospitais) pelos serviços prestados e encorajá-las a seguir adiante.

Como trabalhar o Dia da Mulher de forma interdisciplinar

Outra vantagem de se trabalhar o tema de maneira integrada com o currículo é pensar em projetos interdisciplinares, nos quais se pode desenvolver habilidades de diferentes componentes – o que pode economizar tempo e gerar colaboração entre professores. A professora de História Rutemara Florencio, docente da EE Presidente Tancredo Neves, em Boa Vista, e formadora da rede pública de Roraima encontrou uma forma de fazer isso. Ela criou um projeto chamado “Histórias das Mulheres de Roraima”, que inclui História, Geografia, Sociologia e Língua Portuguesa.  O objetivo foi  promover, junto aos alunos, a valorização do protagonismo feminino com um viés regionalizado.

 

Por meio de pesquisas feitas pelos alunos, que entrevistaram aproximadamente 41 mulheres pioneiras do estado, como a primeira juíza de Roraima,Tânia Vasconcelos, a turma teve contato com exemplos de lideranças femininas. Essa experiência foi importante para os alunos aprenderem mais do que componentes curriculares como História ou Geografia, as meninas tiveram exemplos de lideranças femininas para se espelharem e terem expectativas reais inspiradoras.

No livro Ensinando Pensamento Crítico: Sabedoria Prática, a escritora bell hooks diz: “(…) as histórias, sobretudo as histórias pessoais, são uma maneira poderosa de educar, construir uma comunidade na sala de aula.” Foi essa a trilha que Rutemara seguiu e por meio da qual se pode construir – na pandemia e depois dela – o respeito à mulher e olhar empático aos problemas que elas enfrentam.

 

 

Fonte: https://novaescola.org.br/

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